Como lidar com o medo?
- Juliana Miranda de Morais Leite
- 5 de ago.
- 4 min de leitura

Quem nunca sentiu uma paralisia diante das incertezas da vida? O medo é uma marca registrada em nossa existência, pois sua função é extremamente necessária e útil. Essa emoção foi sendo desenvolvida e moldada ao longo de toda a nossa evolução.
Temer é normal. Mas é importante pararmos para avaliar o que acontece e como agimos quando sentimos medo. Será que existe um nível em que o medo deixa de ser funcional e saudável e passa a ser a pedra no nosso sapato?
Em primeiro lugar cabe considerar que os manuais de psicopatologia fazem a seguinte distinção: chamamos de medo aquilo que sentimos quando estamos diante do perigo real, o nosso corpo é colocado em preparação para lutar ou fugir. Por outro lado, chamamos de ansiedade quando antecipamos uma ameaça futura, e o nosso corpo é colocado em condições de tensão muscular, vigilância e esquiva.1
Ou seja, no primeiro estamos lidando com a relação com o real, e no segundo com a relação com a nossa fantasia (que pode e provavelmente é nutrida por experiências reais, mas ainda assim é uma fantasia). No primeiro caso, lidamos com uma situação que é, no segundo com uma situação que pode vir a ser.
Antecipar um perigo é um recurso que desenvolvemos mais recentemente. Parece estar muito alinhado ao desenvolvimento da nossa consciência sobre o mundo. Não à toa estamos na era da informação e mais ansiosos do que nunca. Talvez quanto mais sabemos mais queiramos nos preparar e evitar todo o perigo do qual temos a consciência que existe.
Com a distinção inicial entre medo e ansiedade, fica evidente que quando pensamos no que mais aparece nas nossas queixas se trata mais do segundo do que do primeiro. Por exemplo: quando dizemos que estamos com medo de ter uma conversa séria com um amigo porque ele pode reagir mal; quando sentimos medo de fazer um exame médico porque podemos descobrir alguma doença; quando estamos com medo de fazer uma prova por conta de uma possível reprovação.
Todas as situações falam de uma condição ainda não disponível na realidade. E isso pode ser um problema por conta de algumas características. A nossa realidade possui bordas, é limitada e definida. Quando um evento ameaçador acontece, ele provavelmente começa e acaba. E normalmente lidamos com uma realidade de cada vez.
Nossa fantasia não segue essa lógica, ela pode se expandir para inúmeros cenários catastróficos. E pior, ela não acaba. Podemos acreditar que quando escolhemos não enfrentar uma situação, não estamos lidando com ela, porém subestimamos o peso da nossa fantasia, porque o que está acontecendo é que estamos lidando inúmeras vezes com esse conflito na nossa mente.

A fuga nos coloca em situações que não conseguimos controlar, o que nos provoca angústia. E, de fato, quando entregamos nossa solução do medo à fantasia, perdemos o controle. Isso significa que na nossa imaginação a gente não consegue conter as inúmeras variáveis do que pode vir a ser, muito menos nos sentir satisfeitos com a solução de um problema já que nada está sendo resolvido.2
No âmbito real também não temos controle da consequência da nossa ação, mas podemos escolher como reagir diante daquela realidade que se apresenta.
Isso faz pensar que existe um lado paradoxal na ansiedade. Enquanto seu objetivo pode ser genuinamente nos manter seguros, o resultado dessa “superproteção” é estarmos totalmente despreparados para situações reais e ainda por cima, dominados e vivendo incessantemente essa realidade (na fantasia) que poderia acontecer uma vez só, se tivesse sido experimentada no mundo concreto. Como Freud diz: “a fuga é o instrumento mais seguro para se cair prisioneiro daquilo que se deseja evitar”.3
É paradoxal também porque, “resolver o medo” exige de nós caminharmos justamente em direção ao elemento que causa medo, enfrentá-lo e lidar com suas consequências a partir daí. E isso é necessário pois apenas nossa vivência pode corrigir nossas decisões e nos ajudar a amenizar o sentimento de medo.4
Para o enfrentamento, talvez seja necessário abandonarmos ideias muito presentes em nós: de que temos que estar prontos, no controle (daquilo que na realidade não temos como controlar) e não sentir medo para só então avançarmos. Eu brinco com meus pacientes que a gente não “tem coragem”, a gente tem que ir lá buscar, pois é só na medida que nos permitimos nos relacionarmos com a realidade que vamos conquistando essas habilidades que achamos que tinham que vir de fábrica.
Enfrentar o medo do futuro requer de nós um passo de confiança. De aceitarmos avançar incompletos em direção ao que falta (mas que nunca será preenchido totalmente). De compreendermos que o medo faz parte de nossa humanidade e nós não precisamos ir para lugar nenhum sem ele. Pelo contrário, a gente tem que ir com medo mesmo.
Referências:
1 American Psychiatry Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
3 FREUD, Sigmund. Obras Completas: O delírio e os sonhos na Gradiva, análise da fobia de um garoto de cinco anos e outros textos:(1906-1909). Companhia das Letras, 2015.
2 - 4 KAST, Verena. O sentido do medo: Como medos se instalam e como eles podem ser transformados. Editora Vozes, 2023.


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